domingo, 11 de setembro de 2011

Terror e o atentado de 11 de setembro


Acordei cedo. Era talvez 6 horas da manhã de uma terça-feira. Alguma coisa estava acontecendo e estava errado. Estava profundamente errado. Dava para sentir o clima, a expectativa de desfecho dos  conflitos. Tinha que haver uma solução. De alguma forma, a cidade amanhecia diferente, com outro clima, outra ansiedade, outra emoção.
Desci e fui comprar pão e ver o que certamente estava acontecendo.
Na volta soube da noticia pelo rádio: o golpe militar estava em marcha contra Allende.
Descemos, eu e Iracema, e fomos direto para o centro da cidade, percorrendo a Alameda as pressas, contornando as obras do metrô, conforme haviamos combinado com o pessoal - Julio, Ritinha, Viegas, Ferreira, para resistir.
Chegamos na casa do Ferreira. Aguardamos algum tempo, mas não havia como telefonar para ninguém: estava tudo congestionado e só sabiamos o que estava acontecendo pela rádio e, como estavamos perto do palácio La Moneda, podiamos ouvir bem claramente os tiros e as rajadas sendo disparadas contra Allende.
Depois de alguns minutos esperando e vendo que não chegava mais ninguém, saimos, eu e Iracema, e fomos encontrar o pessoal na población, depois da estação Mapocho.
Enquanto subiamos pela Alameda, vimos famílias completas, com mulher e filhos, caminhando em direção a La Moneda, com suas 'frazadas' (cobertores), dispostos a passar a noite em defesa do companheiro presidente Salvador Allende, conforme havia acontecido inúmeras vezes antes. Contudo, estas mesmas familias, ao ouvirem os tiros partindo de La Moneda, vacilavam algumas em continuar a sua caminhada, temendo pelo pior. Nesta hora, precisávamos de armas e pessoal bem treinado para assumir a resistência e enfrentar o terror que certamente viria.
Continuamos a caminhada. Pudemos, mais adiante, na altura da estação Mapocho, ver o cerco realizado ao centro da capital Santiago. Os soldado estavam com os seus fuzis e suas baionetas. Por onde passei usavam um lenço vermelho, das tropas leais a Pinochet. Lenços vermelhos, da cor de sangue, traiçoeiros de sua própria nação, antecipando o sangue do povo chileno em sua jornada futura de luta contra a tirania, imposta por Pinochet, também chamado de 'Praga da Humanidade'.
Enquanto isto, Allende resistia em La Moneda, aos bombardeios da aviação e aos tanques golpistas.

Na verdade, a resistência em La Moneda fora bem curta. O golpe militar organizado para derrubar o governo de Unidade Popular de Allende tivera início na madrugada daquele mesmo dia, quando o almirante José Toribio Merino prendeu o comandante-em-chefe da Marinha, leal a Allende, e sitiou as grandes cidades costeiras de Valparaíso, Viña del Mar e Talcahuano com a ajuda da esquadra americana que estava nas costas de Valparaiso.

A estrategia dos golpista não foi atacar os bairros populares e os cordões industriais, mas sim, cercar o centro da cidade, não permitindo que ninguém entrasse ou saisse, criando um bolsão, decretando o toque de recolher, e prendendo os representantes do poder: Allende e seus ministros, e  ocupando os terrenos que detinham os simbolos de poder: o palacio La Moneda e  o centro da cidade. Depois, e somente bem mais tarde, foi para as 'poblaciones' - os bairros populares e os cordões industriais, para dominar e impor o terror, a morte e o retrocesso.
A estrategia foi, portanto, cercar o centro da cidade, construindo um cinturão em torno, e isolando a resistencia do centro da cidade para não ter contato com  a periferia.
Dominado o centro, aniquilada a resistencia, o resto - a periferia - seria mais uma questão de 'limpeza'.
A estrategia de resistencia ao golpe por parte do movimento popular era atrair os golpistas para as poblaciones e os cordões industriais. Mas o golpe mostrou que este caminho foi um erro estratégico clamoroso.
É preciso dizer que a frota americana estava em frente a Valparaiso dando cobertura ao golpe. Em verdade, a frota chilena tinha saido de Valparaiso para realizar manobras conjuntas com os americanos e voltaram a noite para o golpe de 11 de setembro, sabendo que podia contar com o apoio da maior nação imperialista de toda a históra da humanidade até hoje: os Estados Unidos da América do Norte.
Em terra, os tanques cercavam o palácio. Mensagens militares se repetiam nas emissoras de rádio controladas pelos militares, enquanto grupos de operários tentavam resistir ao golpe nos cordões industriais de Vicuña Mackenna e Cerrillos, e surgiam franco-atiradores nos edifícios do centro da capital. Pablo, que encontrei na población, não vacilou em pegar um fuzil e ir para o centro da cidade de onde, certamente, fez muitos disparos e acabou sendo preso. Voltei a encontrá-lo no Estadio Nacional em outubro, preso como nós terminamos sendo.
O golpe teve início na costa do oceano Pacífico, na cidade portuária de Valparaíso, de onde partiram tropas navais chilenas com destino a Santiago, enquanto vários vasos de guerra da marinha estadunidense estavam na costa do Chile. O plano previa que os marines - Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos - invadiriam o Chile, para "preservar a vida de cidadãos norte-americanos" - velho argumento utilizado pelo EEUU para invadir outros paises, atualmente apresentado como intervenção humanitária e dispostos a sacrificarem populações civis. Um avião WB-575 - um centro de telecomunicações - da força área norte-americana, pilotado por militares norte-americanos, sobrevoava o Chile. Simultaneamente 33 caças e aviões de observação da força aérea norte-americana aterrissavam na base aérea de Mendoza, na fronteira da Argentina com o Chile.

E foi assim que Pinochet e os civis que apoiaram o golpe, fecharam e esconderam o Chile para o mundo por uma semana, enquanto os tanques rolavam e os soldados arrombavam portas e destruiam familias. O som das execuções gritavam dos estádios do Chile, do Nacional e dos outros ao longo do pais. Os mortos se empilhavam ao longo das ruas e flutuavam nos rios. Os centros de tortura iniciaram suas atividades com treinamento e supervisão de militares torturadores brasileiros presentes. Os livros considerados subversivos eram queimados, relembrando os tempos de Hitler e da Inquisição medieval.
Temos que relembrar e condenar este ataque contra a democracia e um governo eleito democraticamente, ataque realizado com apoio, dinheiro, supervisão, navios de guerra e armas fornecidos pelo terror  norte americano.
Quatro meses depois do golpe de 11 de setembro de 1973 o balanço já era atroz: quase 20 000 pessoas assassinadas, 30 000 prisioneiros políticos submetidos a torturas selvagens, 25 000 estudantes expulsos de escolas e 200 000 operários demitidos. Com isto se acrescentou às dores e aos sofrimentos impostos aos trabalhadores chilenos pela opressão capitalista, novas dores e novos sofrimentos, com a ditadura de Pinochet, que poderia ter sido evitado, caso tivesse sido organizado uma resistência a altura.
Temos que relembrar, para não esquecer jamais que, em defesa dos seus interesses, seja de petróleo ou área de influencia, os norte americanos estarão sempre dispostos a invadir e impor o terror onde quer que seja, usando os mais torpes argumentos, falando em defesa de valores humanos, mas pouco se lixando quantos civis morrem, nem quantas familias são destroçadas, desde que eles tenham total acesso a riqueza, exploração e pilhagem das riquezas de um povo que não ousa se defender.


Referência:

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A construção e escalada de um estado policial

Se alguém acredita que os problemas nas comunidades e as contradições com as forças militares de ocupação, também chamadas de 'Comando Verde (CV)',  vêm de hoje ou de ontem, está muito equivocado. Acreditar que a solução de graves e históricos conflitos sociais nas comunidades podem ser feitas na ponta de um fuzil, usando spray de pimenta ou balas de borracha, tem que ser muito ingênuo ou estar decididamente do lado da opressão.
A seguir procuramos apresentar alguns videos das situações reais vividas pelos moradores, sem o alarde da midia dos PIGs, que a todo momento falam de área retomada, escamoteando e disfarçando com isto os conflitos sociais existentes, a opressão, o vandalismo e a violência praticada pelas forças militares de ocupação do Comando Verde.


Neste video, a esquerda, de 04/09/2011, podemos ver militares atirando gás de pimenta, sem nenhum motivo, na cara de moradores:
Complexo do Alemão - Isso é o jeito certo de trabalhar ?
Neste outro, a direita, de 05/09/2011, por causa de som alto na TV, o Exército considera desacato a autoridade - forma ainda simplificada, embrionária, aparentemente ingenua para auto de resistencia usado por policiais para assassinar civis - e prende moradores.
Exercito atira em moradores do Complexo do Alemão por causa de som alto na TV (Ricardo Gama).


A população não obedece ao toque de recolher nas comunidades e com toda a razão. Não se trata dos militares  'saberem lidar' - é uma tropa de ocupação como as forças nazistas eram ou os traficantes são. Pouco se diferem. Todos estabelecem e impõem seus códigos, independentes da comunidade, dos valores sociais do local, visando basicamente sempre o bem estar do poder que representam - ou do bem estar do chamado Estado de Direito - com Gilmar Mendes/Dantas a frente ou o chamado Estado Paralelo com o tráfico e as milicias  a frente e sua intimidade mais promiscua com a corrupção politica-estatal, que arruina a instituição parlamentar, corrompe e arruina também as demais instituições, os sustentáculos fundamentais do Estado: o exército, a policia e a magistratura.
Isto tudo é usado pela midia para desmoralizar ainda mais o Estado, suas instituições, e mostrar sua falência e a sua incapacidade de administrar a sociedade, incapaz até de resolver crimes cometidos, mandando simplesmente arquivar processos, como uma forma de se livrar do problema e não de resolve-lo. Com isto os PIGs terminam clamando por um Estado forte, muito mais que um estado policial.
Moradores são atacados por militares no Complexo por causa de volume de TV (Voz da Comunidade) em 05/09/2011:
Na apresentação a esquerda, os militares atacam moradores ferindo inúmeras pessoas com balas de borracha atiradas a queima roupa. Confira as imagens.
Decididamente as imagens mostradas acima não conduzirão o pais a avanços sociais e econômicos. O risco que enfrentamos é sim de uma escalada no Estado policial-militar. E não se trata de uma questão de 'saber lidar com a população' pois isto, no fundo, quer dizer: mantenha tudo em paz como está, sem mudar nada.
O pais precisa de investimentos e de uma industria forte para gerar empregos e garantir a ocupação e remuneração da população. Não bastam programas sociais, cinemas super modernos e baratos, com entrada a R$ 4.00, como na Nova Brasilia, se é decretado o toque de recolher pelo Comando Verde. Como desfrutar do cinema agora? Foi combinado alguma coisa com os comandantes militares?
Os investimentos em emprego e ocupação, que deveriam ter a máxima prioridade, são desviados para garantir o  'superavit primário' para com isto poder remunerar as aplicações financeiras e os recursos para pagamento da dívida pública. As altas taxas de juros, que são um custo para a nação, e terminam influenciando na inflação, só aumentam a divida pública e dificultam os investimentos em infraestrutura, na economia e na indústria, que é a maior geradora de empregos.

Depois de dezenas de anos de descaso com as populações marginalizadas, Sérgio Cabral já mostrou a que veio. Não é a toa que a comunidade grita 'Governador trocou seis por meia dúzia. A ditadura continua".
Sua solução, como a de Eduardo Paes, é a da escalada policial, em um 'Choque de ordem', que só faz lembrar os choques elétricos dos torturadores dos DOI-CODI e da OBAN da ditadura. Choque de ordem que emite ordens mediocres, sendo capaz de se rebaixar ao ponto de impedir que quem vende côco na praia não pode abrir o côco, usando um facão, para poder melhor servir ao cliente. Nem se pode tampouco vender queijo coalho sob o argumento de que 'emporcalha'  a praia - e não os esgotos sem tratamento da prefeitura. 
É claro que dentro deste quadro de escalada de um Estado  policial, temos que perguntar:
Qual o cuidado que a DIlma, e o movimento social,  devem ter com as forças militares e policiais?
Estas forças são, em essência, os representantes do Estado. E é justamente por serem os representantes do Estado que se sujeitam a ocupar os espaços sociais das comunidades para garantir o Poder reinante e o nivel de opressão estabelecido.
As forças militares servem ao Soberano - que seja Ditador, Imperador, Príncipe, Rei, Presidente ou Presidenta -  a que devem obediência, ao Estado e as classes dominantes. E as forças militares servirão ao soberano, a Dilma, enquanto ela for útil e servir aos interesses do Estado e da classe que o domina e mantem o controle deste Estado.
Neste contexto, qual é o jogo politico a exercer para garantir um mínimo de democracia, só pode se encontrar e ter sobrevida na ampla mobilização dos movimentos sociais. Fora disto é fazer o jogo do Poder atual  sem lutar por mudanças.